21 ABR 2025
Vivemos tempos em que a simplicidade e a compaixão, valores tão caros ao Evangelho, parecem ser tratadas com estranhamento, ou pior, com desconfiança. A figura do Papa Francisco, que deveria ser vista com admiração pelo seu testemunho de humildade e fé, frequentemente é rotulada e distorcida por discursos que tentam reduzi-lo a um personagem político-ideológico, em que a esquerda oportunista se aproveita e católicos o associam a viés “comunista”.
Eu confesso que me incomodava a aproximação do pontífice com líderes políticos autoritários e sua ausência em bradar com mais afinco contra as atrocidades cometidas contra cristãos em países de governos ditatoriais e também na falta de defesa de judeus.
A postura simples de Francisco, contudo, sempre chamou minha atenção. Desde que assumiu o pontificado, ele recusou o luxo oferecido pelo Vaticano, abriu mão do conforto do Palácio Apostólico e escolheu viver de forma simples, priorizando o contato direto com as pessoas, principalmente com os excluídos e marginalizados, que tantas vezes são esquecidos até mesmo dentro das próprias igrejas.
Esse gesto de simplicidade e humildade, tão raro em tempos de vaidade institucional, me faz refletir sobre algo que observo cada vez mais: as igrejas cristãs estão se dividindo silenciosamente, não mais em dogmas, mas socialmente. Em muitas delas, vejo a reprodução de um velho cenário que parecia ter ficado nos livros de história: os ricos à frente, os pobres atrás. Em bairros considerados nobres, nas igrejas e capelas de escolas religiosas de prestígio é visível a distância entre classes, não só física, mas humana. É a velha segregação disfarçada, que antes separava fiéis por sangue ou posses, e agora separa por status, por aparência e pelo saldo bancário.
Isso me incomoda profundamente, porque não foi assim que aprendi sobre o que é ser cristão. Eu cresci ouvindo as palavras de Monsenhor Expedito de Medeiros, um homem que deixou para trás o conforto da vida de uma família abastada para viver em plena comunhão com o povo humilde de São Paulo do Potengi. Monsenhor Expedito não fazia distinção entre ricos e pobres. Ele falava, aconselhava e acolhia todos igualmente, com a mesma atenção, com o mesmo amor, como quem enxergava além das roupas e das posses, como quem via apenas o ser humano.
Muito aprendi na convivência dos meus avós Sebastiana e Gregório Lima, que foram exemplos vivos desse ensinamento. Ao lado de Monsenhor Expedito, participaram de tantas ações sociais, ajudaram tantas famílias sem jamais medir quem era quem. Meu avô, homem simples e justo, tinha inquilinos de baixa renda no bairro Vai Quem Quer e, quando eles não podiam pagar o aluguel, simplesmente deixava passar, porque compreendia que, na vida, o essencial não são os bens, mas o valor das pessoas.
Em um tempo em que ser diferente era quase uma sentença, meus avós também ensinaram outra grande lição. Eles tiveram um filho homossexual e nunca faltaram com amor, cuidado e, acima de tudo, respeito. Imagine isso nos anos 70 e início dos anos 80, num ambiente interiorano. A casa deles era um lugar onde ninguém era julgado. Onde só Deus estava acima de todos.
É por tudo isso que, hoje, essa divisão silenciosa nas igrejas me dói. O Evangelho que aprendi, e que vejo ecoar no exemplo do Papa Francisco, fala sobre amor, compaixão e igualdade. Não sobre status, não sobre quem senta na frente e quem senta atrás. Enquanto houver essa barreira invisível entre cristãos ricos e cristãos pobres, ainda estaremos longe do que Jesus pregou. E cada vez mais distantes uns dos outros.
Autor(a): Eliana Lima