Política

Desembargador determina fim da greve dos professores de Natal

23 DEZ 2021

Em decisão no seu plantão, diante do recesso do Judiciário, o desembargador Amaury Moura reconheceu que a greve dos professores municipais de Natal causa “prejuízo aos milhares de estudantes que estão sem o acesso ao aprendizado de curvatura fundamental, cuja paralisação por tempo indeterminado gera prejuízos irreparáveis”.


E determinou a volta das aulas.


Em caso de desobediência, serão aplicadas multas diárias ao presidente do Sinte (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do RN), de R$ 10 mil, e de R$ 50 mil ao sindicato. 


Íntegra da decisão:


- Trata-se de Ação Cível Originária com pedido de tutela provisória de urgência interposta pelo Município de Natal em face do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte - SINTE/RN, pleiteando a manutenção da integralidade da força de trabalho dos servidores da educação municipal e o reconhecimento da ilegalidade do movimento paredista deflagrado, visando o não retorno das aulas presenciais na rede pública municipal de ensino, suspenso em decorrência da crise sanitária causada pela pandemia de COVID-19.


Em seu arrazoado inaugural, esclarece que o Sindicato réu, mediante o Ofício n.o 127/21 - CG, datado de 08/12/2021, o Sindicato Réu informou indicativo de greve por tempo indeterminado, marcado para o dia 10 de dezembro do corrente ano.

 Num. 12449003 - Pág. 1


Aduziu que "se busca utilizar pressão desmedida no movimento paredista para impor suas próprias vontades, em detrimento da continuidade na prestação do serviço público, em busca de promover negociação quanto ao reajustamento em 12.84% para servidores ativos e inativos, e ainda discutir períodos anteriores (2020 e 2021), já suspensos por liminar."


Sustentou que “o Município do Natal já havia ingressado com Ação Ordinária no 0807957-55.2021.8.20.0000, para evitar o movimento paredista do próprio SINTE, em razão de outro indicativo de greve anunciado para JULHO/2021, ou seja, há apenas 05 (cinco) meses, tendo esta e. Corte concedido LIMINAR”.


Asseverou que “o Município de Natal já ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no E. Tribunal de Justiça, em face da Lei Ordinária Municipal no 6.425/2013 (publicada no DOM em 16/12/2013, página 01), a fim de que seja declarada a INCONSTITUCIONALIDADE dos dispositivos legais dessa norma.”


Requereu tutela antecipada no sentido de determinar que o Sindicato Demandado seja compelido a não iniciar ou estancar o movimento paredista e obrigando-se a manter percentual de 100% dos servidores trabalhando por se tratar de serviço essencial, conforme pacífica jurisprudência até ulterior deliberação judicial. No mérito, pugnou pela confirmação da tutela antecipada, com a procedência do pedido.

Juntou documentos nos IDs n° 12444490 e 12444491.


O então Relator deixou de apreciar o provimento antecipatório, sob o fundamento de que não se trataria de matéria de plantão porquanto a Rede Municipal de Ensino de Natal estaria passando por época de recesso escolar, de modo que não haveria prejuízo aos alunos (ID 12444979 - Pág. 2).


Na sequência, o Município de Natal apresenta emenda à inicial, fazendo juntar Calendário Letivo Escolar, noticiando que, devido à pandemia do CORONAVIRUS, as atividades nas Escolas Públicas Municipais tiveram que ser reprogramadas no ano calendário de 2021, especialmente pelo prejuízo decorrente do período mais agudo da crise sanitária, sendo estendidas até o dia 26 de Janeiro de 2022.


Pontua que o movimento grevista deflagrado pelo SINTE/RN inviabiliza toda a programação educacional do Município, causando prejuízo não apenas para os estudantes do ano letivo de 2021, mas também para todos os anos seguintes, ao passo que será necessário reprogramar todo o cronograma para o exercício 2022, que se revelaria mais difícil ainda de se realizar, vez que não se pode estimar o tempo de paralisação dos professores e educadores.


Com tais considerações, apresenta pedido de reconsideração para o fim de declarar, em definitivo, a ilegalidade e abusividade da greve deflagrada pelo Réu, confirmando a tutela antecipada para que se determine o retorno imediato dos servidores públicos às suas atividades, sob pena de multa diária na ordem de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) tanto ao Sindicato com a seu Diretor-Presidente, sem prejuízo das sanções penais e administrativas que os recalcitrantes venham a incorrer.

Num. 12449003 - Pág. 2


É o que importa relatar. Decido.

Inicialmente, cumpre registrar que, a despeito da limitação à admissibilidade de pedido de reconsideração em face de decisão proferida em regime de plantão, anoto que a decisão que se busca reconsiderar não adentrou na questão de fundo, posto que limitou-se ao entendimento de que não se tratava de matéria de plantão, porquanto partiu da premissa de que a Rede Municipal de Ensino de Natal estaria em recesso escolar, de modo que não haveria prejuízo aos alunos (ID 12444979 - Pág. 2). 


E assim entendeu o douto relator, embasado nos elementos de que dispunha até então, o que de resto, aponta para o acerto de sua decisão àquele momento processual.

Ocorre que, ao emendar a inicial, o Município de Natal acostou o Calendário Letivo Escolar de 2021, o qual indica que, diferentemente da premissa fática usada como fundamentos das conclusões lançadas na decisão de ID 12444979 - Pág. 2, o calendário escolar do corrente ano somente se encerra no dia 26/01/2021, bem como que o único dia não letivo (DNL) este mês será o dia 24/12, circunstâncias que revelam o enquadramento deste feito como matéria sujeita à análise em plantão, impondo-se sua apreciação.


Assim, passo ao exame do pedido de provimento antecipatório.


É assegurado aos litigantes a hipótese de antecipação dos efeitos da tutela, desde que a medida requerida seja imprescindível e esteja amparada pelo artigo 300, do referido Código, segundo o qual se concederá tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.


Cinge-se a controvérsia na análise da ilegalidade ou abusividade do movimento paredista deflagrado por servidores do magistério do Município de Natal vinculados ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte - SINTE/RN, por ele representados, ao argumento da ausência de garantia do atendimento do serviço de educação, considerado de caráter essencial.

Pois bem. Cumpre anotar que o direito de greve do servidor público é assegurado nos arts. 9.o e 37, inc. VII da Constituição Federal, na seguinte forma:


Art. 9o É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.


§ 1o A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.


§ 2o Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:


[...] VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; Todavia, a questão trata de norma de eficácia limitada, dependendo de lei infraconstitucional que o regulamente e defina a forma do seu exercício.

Inobstante o direito à greve esteja previsto na Constituição, é certo por outro lado, afirmar-se que tal não se reveste de caráter absoluto encontrando limitações legais balizadas no que dispõe a Lei n. 7.783/89 a teor mesmo do que já assentou o Supremo Tribunal Federal.


Com efeito, como bem pontuado pelo Ministro Gilmar Mendes, quando do Mandado de Injunção no 670/DF:

“(...) não se outorga ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição ou não da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderá deixar de reconhecer o direito previamente definido na Constituição.


Identifica-se, pois, aqui a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, pode tão somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina”.


Sobre a temática do direito à greve pelo servidor público, convém citar também a tese fixada no julgamento do RExt n° 693456, em sede de repercussão geral:


Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Questão de ordem. Formulação de pedido de desistência da ação no recurso extraordinário em que reconhecida a repercussão geral da matéria. Impossibilidade. Mandado de segurança. Servidores públicos civis e direito de greve. Descontos dos dias parados em razão do movimento grevista. Possibilidade. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso do qual se conhece em parte, relativamente à qual é provido. 


1. O Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem no sentido de não se admitir a desistência do mandado de segurança, firmando a tese da impossibilidade de desistência de qualquer recurso ou mesmo de ação após o reconhecimento de repercussão geral da questão constitucional. 


2. A deflagração de greve por servidor público civil corresponde à suspensão do trabalho e, ainda que a greve não seja abusiva, como regra, a remuneração dos dias de paralisação não deve ser paga. 


3. O desconto somente não se realizará se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores públicos civis ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação funcional ou de trabalho, tais como aquelas em que o ente da administração ou o empregador tenha contribuído, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorresse ou em que haja negociação sobre a compensação dos dias parados ou mesmo o parcelamento dos descontos. 


4. Fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”. 


5. Recurso extraordinário provido na parte de que a Corte conhece. (RE 693456, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 18-10-2017 PUBLIC 19-10-2017) (grifei).


Feitos estes destaques, em análise perfunctória dos autos, percebe-se que o fumus boni iuris está presente, na medida em que o STF, quando do julgamento dos Mandados de Injunção n.o 670 e 708, firmou entendimento de que a realização de movimento grevista por servidores públicos deve obedecer a Lei n.o 7.783/89, criada para os trabalhadores do setor privado, quando observadas as peculiaridades do serviço público, mormente no que pertinente aos serviços essenciais e indispensáveis à população.


Outrossim, a despeito do serviço público educacional não estar elencado no rol de atividades reputadas como essenciais previsto na Lei no 7.783/89, é incontestável a sua natureza essencial, mormente considerando que o direito à educação é assegurado pela nossa Lex Mater, em seu art. 6o, consubstanciando-se em direito social, cabendo em contrapartida ao Estado o dever de preservá-lo e implementá-lo. Confira-se:


“Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.


A propósito:


EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. DIREITO DE GREVE. SERVIDORES VINCULADOS À EDUCAÇÃO. SERVIÇO ESSENCIAL. ROL CONSTANTE NO ARTIGO ART. 10 DA LEI FEDERAL No 7.783/89 QUE NÃO CONSTITUI NUMERUS CLAUSUS. MOVIMENTO PAREDISTA DEFLAGRADO SEM A OBSERVÂNCIA DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS. OFENSA AOS ARTIGOS 11 E 13 DA LEI FEDERAL No 7.783/89. RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DA GREVE, COM A PERDA DA REMUNERAÇÃO DOS DIAS PARALISADOS, DESDE QUE AS HORAS PARALISADAS NÃO TENHAM SIDO REPOSTAS OU COMPENSADAS NO CALENDÁRIO ESCOLAR DE 2014. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. (TJRN. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA N° 2014.010432-5m Rel. Des, Amilcar Maia, Data do Julg.: 30/11/2016)

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE GREVE – PROFESSORES MUNICIPAIS – LEI No 7. 783/89 ANTE A OMISSÃO LEGISLATIVA – ORIENTAÇÃO STF – SERVIÇO ESSENCIAL – NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS QUE AUTORIZEM O MOVIMENTO PAREDISTA – ILEGALIDADE – PROCEDÊNCIA Embora não conste no art. 10 da Lei 7.783/89 a "educação" como serviço essencial não cabe interpretação restritiva para se concluir que este serviço não seja atividade pública essencial pois, interpretar de forma contrária, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana calcada como princípio fundamental da República do Brasil em seu art. 1o bem como substrai o sentido, a amplitude e a projeção do art. 205 da Constituição Federal. Deste modo, em vista da essencialidade do serviço, conforme dispõe o art. 11 da Lei de Greve, em vista da não indicação de número suficiente para garantir a execução do serviço essencial reconhece-se o movimento paredista ilegal e abusivo”. (TJMS, Procedimento Ordinário no 1405587-86.2015.8.12.0000, Órgão Especial, Relator: Des. ROMERO OSME DIAS LOPES, julgado em 07/10/2015, publicado em 25/01/2016).

Neste contexto, conquanto os documentos acostados aos autos apontem que, neste primeiro momento, tenha o sindicato cumprido parte das formalidades para a deflagração do movimento, tais como a expedição de ofícios e a realização de assembleias deliberativas com a categoria, não há elementos que apontem o cumprimento da reserva de servidores para a continuidade dos serviços.

Demais disso, o momento atual, com todas as limitações já impostas aos estudantes, advindas das paralizações das aulas decorrentes da Pandemia do Covid-19, a manutenção do movimento grevista impugnado, ao que parece, ocasionará o não encerramento regular do semestre letivo previsto para 26 de janeiro próximo, gerando dano irreparável à educação, acarretando transtornos de toda ordem, não só na grade curricular, como na extensão das jornadas educacionais para além do ano letivo de 2021.


A par disto, forçoso reconhecer a existência de prejuízo aos milhares de estudantes que estão sem o acesso ao aprendizado de curvatura fundamental, cuja paralisação por tempo indeterminado gera prejuízos irreparáveis.


Ante o exposto, defiro o pedido de ID 12444979 - Pág. 2, para, sem declaração, no momento, de ilegalidade ou abusividade da greve, deferir a tutela de urgência postulada, a fim de determinar o retorno integral da força de trabalho dos servidores municipais da educação do Município do Natal, aplicando multa diária ao Presidente do Sindicato no valor de R$ 10.000,00 (dez) mil reais por dia de descumprimento, limitada a princípio, em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Feitas as devidas comunicações, vão os autos à regular distribuição. 


Publique-se. Intime-se.


Natal, data da assinatura eletrônica.


Desembargador AMAURY MOURA SOBRINHO

Plantonista

Autor(a): Eliana Lima



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